Escrever é viver duas vezes um bom Momento.
Antonio C Almeida
SOMOS TODOS POETAS
Capa Meu Diário Textos Áudios E-books Fotos Perfil Livros à Venda Prêmios Livro de Visitas Contato Links
Textos
          Nove de agosto de 1945, quinta-feira. Oitenta mil mortes em Nagasaki, contabilizando vidas humanas sem considerar todo o resto no meio ambiente. Quem poderia saber o que a radiação poderia causar ao ambiente, até que passado algum tempo uma planta se ergueu em meio a calamidade, o Bambu.
           Uma semente de bambu pode formar uma floresta de bambus em 30 ou quarenta anos, integrando a vida em toda a sua existência.
           ...
          
Em uma tarde de outono


           - Sabe que te amo Quel?
           - Você nem sabe o que é amor.
          - Quel, o que você quer ser quando crescer? – Perguntava Rogério, olhando atentamente para o belo rosto de Raquel em todos os detalhes, de uma menina em seus seis anos de idade.
          - Flor-de-lotus.
          - O que é isso Quel?
         - Minha mãe falou que é uma bela flor, que nasce na lama como um milagre e suas sementes podem crescer até depois de três mil anos.
          - O que são três mil anos?
 
    ...
          Vinte anos se passaram
 
        A campainha toca insistentemente na casa de Raquel. Ela se levanta e caminha sonolenta em direção à porta. Sua mão toca a maçaneta e a abre. Do outro lado ela encontra um jovem com um pacote na mão. Ele entrega o pacote e recebe uma assinatura em troca. O rapaz fixa seu olhar no belo rosto de Raquel que ao perceber o adverte: - Quer tirar uma foto! – Imediatamente o rapaz responde: - Quero. – Raquel bate a porta e a tranca.
        Raquel abre o pacote e encontra um envelope e uma carta. Ela abre a carta e começa uma leitura:
 
          Querida Raquel, se você esta lendo esta carta é pelo fato de eu não estar mais entre os vivos. Sou a sua bisavó, Karmélia.
Seu bisavô foi assassinado logo após eu dar a luz ao seu avô. Seu avô teve dois filhos e um desses era o seu pai, falecido. O meu filho cuidou de mim até que faleceu e esta tarefa passou para o filho dele. Não demorou muito e ele faleceu sem deixar herdeiros.
          No falecimento de meu neto a sua mãe me visitou, ainda casada com meu outro neto. Nestes dias eu falei com ela sobre os meus interesses quando em minha morte. Você tinha seis anos, uma bela menina e aproveitou de tudo em sua visita.
          Seu pai ficou preocupado com a administração de meus negócios, mas eu o tranquilizei falando que este ficaria a cargo de Demóstenes, um vizinho. Seu pai ficou apavorado e aborrecido, mas deu-me a benção e aceitou a minha decisão.
          Quando eu estava internada eu fui visitada pela sua mãe, falei com ela novamente sobre os meus interesses. Seu pai já havia falecido, ela me falou que estava brigada contigo devido ao falecimento de seu pai e a sua antipatia pelo atual marido dela. Mas naquele dia nós havíamos decidido que você cuidaria de tudo. Por ser filha de meu neto e herdeira direta.
         Então minha netinha, sua bisavó te pede um último favor, venha novamente em minha casa e deixe esta velha descansando em sua paz, sabendo que seu último descendente a ajudou.
       Não estarei aqui para te receber e a minha preocupação é que Demóstenes esta velho e qualquer dia deste ele poderá morrer. Quem cuidará dos interesses da família? Antes que você venha é bom você saber que Demóstenes cuida de meus interesses por uma dívida de honra, o pai dele matou o seu bisavô. Quando ele morrer eu não sei se o filho dele continuará nos ajudando no compromisso desta dívida de honra, mesmo porque ele não teria a quem dar satisfação. Ele estudou agronomia na cidade e esta mais ligado aos assuntos da vida moderna.
Junto com esta carta você recebe também instruções para o que você vai fazer para a sua bisavó. Beijo de sua bisavó e minha bênção.


        Raquel olhava os documentos aparentando pânico. Ela pegou o envelope que se seguia a carta o abriu e começou a ler a escritura de um terreno coberto por uma Floresta de Bambus.
 
          No caminho de um destino
 
       Raquel estava no caminho de seu compromisso. Mesmo em uma rápida viagem de avião sua mente se embaralhava em vários pensamentos desconexões. Tantos compromissos que aos vinte seis anos somavam-se a este novo encontro com a responsabilidade. Foram muitas horas de desgastantes acertos. No trabalho, adiando compromissos, reuniões. Nos estudos, justificando a sua ausência em seu mestrado.
        Após o desembarque, Raquel pegou um taxi a fim de chegar ao seu destino. No caminho ela pode perceber o clima ameno e o ar agradável que lhe chegava pelas frestas da janela do veiculo. Por telefone ela acertara de ser recebida pelo senhor Demóstenes, que a conduziria até a casa de sua bisavó. Após alguns minutos no táxi os prédios e casas que tomavam a paisagem foram substituídos por belas árvores cercadas por arame. Belos pastos tomados por rebanhos que se fartavam da espessa e vasta quantidade de alimento.
         Ao chegar próxima à floresta de bambus um senhor a aguardava. Abriu a porta do taxi como um cavalheiro e se ofereceu para pagar o taxista. Raquel ficou encantada com tanta cordialidade, mas se negou a receber o dinheiro do gentil senhor. O taxi começou a sua viagem de volta e o senhor estendeu a mão para Raquel e se apresentou:
         - Sou Demóstenes.
       Raquel olhou incrédula para o senhor. Escutou algumas instruções sobre a rotina e o local onde deveria se hospedar e seguiu por uma estrada de barro até chegar ao casarão da família.
Grandes janelas em madeira, no total de oito. Um retorno em círculo dava acesso à entrada principal que se seguia a uma grande escada que terminava em uma sacada. A sacada tomada por bancos em aço, pintados de cinza. Raquel olhou a grandiosidade da casa, não se deixando tomar pela imponência do imóvel. Demóstenes abriu a porta e convidou-a a entrar.
       A casa encontrava-se impecavelmente limpa. Logo a frente da entrada principal encontrava-se uma escada que dava acesso aos quartos. Raquel subiu os degraus sendo orientada pelo seu anfitrião. Seguiu para o quarto onde se acomodava a sua bisavó. Todos os móveis do quarto estavam cobertos por um fino lençol branco. A cada lençol levantado, desvendava-se um pouco da personalidade de sua querida parente, que guardava carinhosamente uma vastidão de fotos que retratavam todo o desenvolvimento de seus netos. De uma janela podia-se ver os bambus se dobrando frente à ventania. Demóstenes se aproximou e comentou: - Vem o vento, a tempestade, o tufão e o terremoto, não importa. O bambu não se dobra, apenas curva-se momentaneamente e logo retorna à sua posição original, reta e digna.  Por não oferecer resistência, o bambu não se quebra quando a intempérie o atinge. Deixe passar as intempéries da vida, seja maleável e logo que possível retome sua dignidade.
          Raquel escutou as palavras sóbrias, em tom suave proveniente de seu anfitrião. Demóstenes se despediu e informou a Raquel que no outro dia pela manhã ela seria conduzida por seu filho, a fim de iniciarem e terminarem o quanto antes os detalhes da transferência de posse.
          Agora, acompanhada apenas das lembranças, Raquel com os olhos em brilho, observava a bela casa. Em sua mente vagava a lembrança dos últimos acontecimentos e a percepção de que, naquele canto do mundo, as pessoas tinham tempo para serem verdadeiramente humanos e celebrarem a boa educação. Passado os seus minutos de êxtase ela se preparou para se deitar. Aproveitou o abajur e iniciou uma leitura de um livro que mantinha na cabeceira de seu quarto na cidade, O Jardim Secreto de Hodgson Burnett - Um livro infantil deste escritor Frances.
          O sol tomava o quarto onde se instalara Raquel. Da cama onde dormira a sua bisavó, ela podia escutar uma sineta que anunciava visitantes. Ao sair da cama sentiu a brisa suave que entrava pela janela. Um cheiro de vida pairava no quarto. Em total imprudência Raquel se debruçou na janela e avisou que logo atenderia, deixando que o vento libertasse seu corpo da fina camisola que vestira para descansar. Procurou em uma maleta uma roupa adequada para a ocasião. Vestiu-se e correu para atender a porta.
          Um belo jovem a esperava do lado de fora da casa. O jovem a estendeu a mão e se apresentou: - Sou Rogério, filho de Demóstenes. Raquel timidamente o cumprimentou. Rogério estendeu-lhe a outra mão, nesta se encontrava uma flor – Uma Flor-de-lotus.
         Ambos entraram em um carro e começaram o percurso até o cartório local. Rogério olhava para Raquel como se olha-se uma fruta madura na varanda. Deixada como que ocasionalmente para adocicar a vida daquele que sairia para respirar um pouco de ar e encontraria uma beleza madura. Logo Raquel perguntou do que se tratava:
            - Rogério qual o motivo de você me olhar tanto.
       - O crescimento de uma pessoa não se dá só apenas pela sua aparência, há uma enorme raiz que sustenta e alimenta nossa alma. Para se conseguir realmente viver é necessário que aumentemos as nossas raízes, aprofundá-las. E por algum motivo eu sinto que você faz parte das minhas raízes.
       - Tudo bem Rogério, eu estou compreendendo. É a filosofia do Bambu. Seu pai não cansou de falar. – Rogério abriu um belo sorriso e continuou falando:
        - Pode ser, mas é interessante você saber que nesta floresta de bambu que você herdou estão guardadas várias lições que nos obriga a acreditar que existe algo místico à nossa volta.
          - Gostei de suas histórias, mas nada vai me fazer deixar de vender e sair daqui o quanto antes possível.
        - Sem problema.  A borboleta é um emblema da mulher, por ser graciosa e ligeira. A felicidade matrimonial é representada por duas borboletas. A borboleta que sai da crisálida é um símbolo de ressurreição. Também pode ser vista como a saída do túmulo.
          - Assustador! – Rogério deu uma longa risada e parou o carro.
          - O que foi?
          - Apenas saia do carro e bata palmas.
      Raquel desceu do carro, bateu palmas e um volume enorme de borboletas se lançaram ao ar, deixando a face de Raquel radiante, surpresa pela beleza que se escondia entre aquelas belas plantas. Ainda atordoada pela visão, ela entrou novamente no carro:
          - Que belo, concorda? – Falava Rogério para Raquel que respondia com seu belo sorriso.
        - Conta à história que meu bisavô matou o seu. – Raquel olhava para Rogério, visivelmente curiosa, interessada em saber onde esta história iria chegar – A verdade é que sua bisavó teve um romance com meu bisavô e num acesso de raiva seu bisavô se jogou contra o meu e ambos foram parar no fundo de um lago, onde apenas o meu bisavô voltou. Desde este dia a nossa família manteve um compromisso com a sua, que vai acabar hoje.
          - E qual é este compromisso?
       - Seu bisavô chegou nesta terra e conseguiu transformar uma floresta de bambu em um negócio rendoso. Em consideração a isto ele pegou uma parte do terreno e deixou a natureza seguir seu rumo. Com o tempo ficou está bela floresta.
        Rogério parou novamente o carro. Desceu e convidou Raquel a segui-lo. Caminharam por entre duas cercas que limitavam duas partes da floresta. Depois de uma pequena subida Raquel pode ver uma pequena construção, um monumento. Ao se aproximar ela pode ler um epitáfio: Estarei aqui em nome de meu amor e de meu compromisso até o fim dos tempos. Atrás da velha lápide se encontrava outro epitáfio: Um amor verdadeiro nunca se acaba. Raquel olhou aquelas inscrições, olhou para Rogério querendo uma resposta:
          - Abaixo desta lápide se encontrava o corpo de seu bisavô, que há muito tempo foi retirado. Depois da morte de seu bisavô a sua bisavó ficou desolada e o meu bisavô, procurando entregar a felicidade para sua amada, mergulhou a procura do corpo. Ele encontrou e construiu aqui um monumento ao amor do casal. Aqui neste exato lugar foi onde a sua bisavó amou pela primeira vez o seu bisavô. E o monumento foi construído pelo meu bisavô em remorso de tirar o amor de sua amada. Raquel chorava enquanto escutava aquela história de amor:
          - Rogério, isto não existe em nosso mundo.
         - Realmente no nosso não existe, mas existia no deles. Honra, amor, compromisso, justiça, para nós apenas palavras, mas para eles a razão de uma vida.
        Rogério levou Raquel até o cartório. Rapidamente tudo foi resolvido, um comprador deixara acertada a compra da floresta. Raquel timidamente aceitou a compra. Um pouco triste pela história e o significado daquela pequena parte da propriedade.
        No outro dia Rogério a aguardava do lado de fora da casa. Abriu a porta de seu carro e seguiu para o aeroporto:
         - Raquel ainda esta com aquela flor que eu lhe dei?
         - Sim.
      Raquel mostrou a flor, agora amassada, enfiada em uma pequena agenda. Rogério pegou a flor e a colocou dentro de um livro, “A Flor-de-lotus”. Rogério continuou no caminho para o aeroporto. Não demorou muito e ele pode estacionar o seu carro e ver Raquel seguindo para sua viagem.
          Raquel caminhava lentamente, como se não quisesse sair daquele local. Pegou o livro que a pouco recebera e abriu no local onde se encontrava a flor. Ao olhar a página ela encontrou uma folha bem dobrada e um pequeno papel com uma pequena frase: “O que você quer ser quando crescer?”. Raquel começou a girar, voltou seu corpo para a saída do aeroporto e correu. Em seu rosto lágrimas de angustia desciam. Apavorada imaginava que não encontraria Rogério. Ao sair pela porta do aeroporto ela pode ver um belo rapaz que chorava compulsivamente. Que correu para os seus braços:
          - Quando eu crescer eu quero ser uma Flor-de-lotus.
          - Raquel você sabe que eu te amo?
          - Eu sei Rogério!
        Raquel olhou para sua mão, lá estava à folha dobrada. Começou a ler e percebeu que se tratava de uma transferência de escritura. O comprador de sua floresta de bambus fora Rogério e o papel lhe dava novamente a posse de seu terreno:
          - Rogério, quanto tempo que nós manteremos a floresta?
          - Três mil anos.
 
          Fim.
..
Antonio C Almeida
Enviado por Antonio C Almeida em 16/01/2013
Alterado em 20/10/2015
Comentários